De Colônia São Pedro a Engenho Central - Pindaré Mirim

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segunda-feira, 1 de outubro de 2018

De Colônia São Pedro a Engenho Central

De Colônia São Pedro a Engenho Central

O Engenho Central constitui uma das riquezas de nossa província. Ali está o progresso de nossa terra [...] os incrédulos tem obrigação de visitá-lo, os curiosos devem vê-lo como um objeto digno de maior apreço e os que já tiveram, como eu, a dita de presenciar aquele foco de civilização e progresso não pode deixar de entusiasmar-se e sentir pungentes saudades daqueles sítios (EUCLIDES FARIA, poeta e jornalista. Publicador Maranhense, 12/09/1885).

41 Uma “peça”, “peça da Índia”, era constituída por 2 negros de 35 a 40 anos; ou 2 crianças de 4 a 8 anos; 3 negros de 8 a 15 anos formavam duas peças, estando tal avaliação na dependência, ainda, de condições de saúde, idade, robustez (LIMA, 1981).

No instante em que deseja-se aprofundar os estudos sobre o sentido das festas e o processo de formação da identidade da população de Pindaré, não há como esquivar-se do encontro com o Engenho Central42 e os elementos que fizeram parte de seu conjunto.

Como já foi visto, a Colônia São Pedro entrou em decadência e foi destituída por completo. Certo é que, tanto no imaginário da população pindareense, como em alguns poucos escritos que existem sobre a origem da cidade, salvo exceções, perdura a versão de que o Engenho Central deu origem à cidade.

Contrariamente a essa corrente, como percebe-se no capítulo anterior, muito antes desse empreendimento, habitavam aquela região muitos povos indígenas, majoritariamente os povos Guajajara, que organizados em aldeias mantinham seus sistemas sócio-político e econômico-religioso bem estruturados. Em seus escritos Ubialli afirma que “os primeiros contatos dos Guajajara com os Karaiw (brancos) podem ter ocorrido em 1612 quando os franceses, subindo o rio Pindaré, encontraram um grupo de índios que chamaram de Pinarienses” (UBIALLI, 1998, p. 51).

O projeto colonizador português aproveitando-se dessa presença dos povos nativos e, no intuito de defender os interesses da coroa forjou e implementou a instituição ‘Colônias’ e já em 1840 foi criada a Colônia São Pedro do Pindaré no lugar onde antes era a aldeia dos Guajajara. Sendo assim, Pindaré existe antes do Engenho Central e a formação de sua população tem origem nos povos Guajajara, nos engenhos e nas fazendas da região, nos negros escravizados que posteriormente trabalharam43 no Engenho Central ou que simplesmente no período

42 Em 1876 foi instalada a grande usina açucareira, de propriedade da Companhia Progresso Agrícola, marco da evolução que aumentou a população com grandes centros de lavoura (CARDOSO, 2001, p. 388).

43 Há quem afirme que no Engenho Central São Pedro trabalharam escravos. Nossa pesquisa não conseguiu clarificar, de fato, se, ali naquele estabelecimento trabalhou apenas mão-de-obra assalariada ou se ainda oi possível contar com a mão-de-obra escrava. Mesmo considerando que o cenário nacional e regional exigia mão- de-obra qualificada e novas tecnologias, tendemos a concordar que nesse Engenho Central a mão-de-obra escrava ainda foi braço fundamental, pois a tradição opulenta da pequena elite abastada maranhense, os comportamentos dessa “nova classe” indicam uma passagem muita lenta e quase sem expressão, no primeiro momento, do sistema escravagista para a mão-de-obra assalariada na região. Vale lembrar que o empreendimento do Engenho Central se concretiza no ano de 1884, época em que a escravidão ainda não havia sido proibida oficialmente.

pós-abolição ficaram à margem nos arredores dos povoados e engenhos. A população de Pindaré remonta ainda aos nordestinos que buscando escapar das grandes secas no nordeste ali alimentaram o sonho de uma vida promissora, pela fertilidade da terra, pela possibilidade do trabalho assalariado no Engenho, pela riqueza exuberante da natureza.

São essas raízes que ao longo dos anos vêm modelando a cultura pindareense e enfrentando os desafios de formação da identidade da cidade e de sua população. Raízes essas que na busca de identificação e de referências conduz a população da cidade a construir uma cultura entremeada pelo espírito festeiro e um cotidiano em festa e rituais.

Os dados à disposição permitem ressaltar a existência de vários engenhos na região do Pindaré, consequentemente a presença em grande quantidade do elemento negro, pois já ”em 1684 existiam engenhos no Mearim e logo eles apareceram, pelas mãos dos jesuítas, em Guimarães e no Pindaré” (LIMA, 1981, p. 171).

É possível, também afirmar, que naquelas proximidades podia se avistar “a fazenda de S. Bonifácio, com quatro engenhos de cana, oito alambiques, casa de fazer farinha, oficina de tecelão, carpintaria, serraria e ferraria e a casa de canoas [...]. Nesta famosa fazenda, cultivavam cana, café, mandioca, laranja e pacova” (VIVEIROS, 1954, pp. 5-6). Outras fontes mostram que em 1860, no Maranhão  havia 460 engenhos, sendo que 98 destes estavam no Vale do Pindaré.

Nessa perspectiva, o depoimento da Sra. Joana Fernandes Moraes, professora em Pindaré desde os anos 50, revela o questionamento sobre a  presença do negro no Engenho Central, bem como a sede de Pindaré ter uma identidade. Com muita emoção assim ela se expressa:

Segundo informações, dizem... de acordo com seu Antonio dos Santos, Dona Leopoldina (falecidos) que aqui trabalharam muitos escravos, mas nós não temos nada comprobatório de onde vieram. A gente vê que mestiços, nordestinos, vieram de vários cantos, mas na realidade é que nós nunca chegamos assim a descobrir, nenhum historiador.... a gente fica sempre com essa sede de busca. Olhando a população de Pindaré que é

uma população de rosto negro-indígena dá pra entender, e só pode ter havido escravos por aqui. Eu acredito que realmente ali trabalharam escravos.... dá a impressão... e a emoção que a gente sente... porque de acordo com a história que a gente comenta, oral.... E eu estou muito feliz por este grande trabalho, este grande heroísmo... vai em frente eu quero que realmente parta de você este carinho pela cidade.... esse heroísmo de saber realmente a identidade dessa cidade maravilhosa. Ela precisa ter sua identidade (Entrevista realizada, 16/08/2006).

E, ao se referir sobre o Engenho Central a informante continua mostrando uma grande saudade do tempo de glória e o desejo de que Pindaré seja elevada, recuperada, vista diferente:

O Engenho Central, para mim, é nascimento, é a história do Pindaré, me dá muita emoção quando eu me dirijo às margens do rio Pindaré e olho aquele grande patrimônio, de um passado de tantos anos, que hoje dorme no sono do esquecimento, deveria ser o cartão postal da cidade, por que não? Ser transformado num grande artesão, numa grande casa de cultura, porque na realidade as nossas tradições aqui são culturais, aqui estão plantadas e  isso mexe muito com a gente. Falar do Engenho Central é falar de uma história, de um passado que o tempo levou e resta a grande saudade, mas a esperança é última que morre e que espero que essa juventude que está aí talentosa, capaz, possa acordar como eu sempre grito nas ruas  da cidade ‘Acorda Pindaré!’... e analisar e pedir aos seus dirigentes que invistam naquele patrimônio para não chegar à destruição. Porque é a nossa história e a nossa história é um passado muito bonito. Pindaré tem grandes pontos turísticos, mas precisa que haja investimento para que essa cidade brilhe e se torne amanhã uma das princesas do Maranhão.  Enquanto há vida há esperança, eu nunca perco a esperança de que Pindaré na realidade se transforme na cidade dos nossos sonhos. Aqui tem muita cultura, muitas festas tradicionais. As pessoas de fora quando querem ver festas bonitas e tradicionais vêm à Pindaré. Isso vem de nossas origens Professora Joana Fernandes Moraes. (Entrevista realizada no dia 16 de agosto de 2006).

E, continua,

[...] produziam aqui, nessa fábrica, nesse engenho, conforme estudos, entrevistas.... porque então....vamos ver...., do passado aqui, quase ninguém sabe. Falando-lhe a verdade os pindareense desconhecem a sua história. É uma pena... porque inclusive na última reunião que eu assisti eu pedi até que fosse incluso no currículo escolar para que introduzissem nas escolas, para que o estudante de hoje conheça a realidade, conheça a sua história, então como se diz assim... começaram os grandes canaviais, o maior produtor de açúcar, mas infelizmente hoje lá naquele prédio nós não temos nada para mostrar, para nossos jovens, para nossos filhos e para o próprio passado, não é?

O depoimento confirma a especulação a respeito da presença de escravos na localidade. Ao mesmo tempo, expressa a sede de que Pindaré se reconstrua na sua identidade enquanto espaço que agregou índios, negros e nordestinos.

A história mostrou que o espaço de Pindaré-Mirim recebeu contornos majoritariamente negros, no entanto, sem um momento específico para isto, aos poucos sua população foi ‘selecionando’ um elemento comum para recuperar um olhar sobre a cidade e sua população: a festa. Inscrita no contexto de Pindaré, essa dinâmica remete ao que para Brandão (1989) é traço forte e ponto de convergência, é um “exercício de um ‘nós’ local”, ou seja, é uma manifestação privilegiada que envolve e aproxima o grupo. Em Pindaré, esta dinâmica identifica as pessoas e as tornam conhecidas.

A professora Joana, em sua fala, traz à tona a questão da memória coletiva (Halbwachs, 1990) e identidade que se produzem pela recuperação da história. Esta memória tem um poder simbólico de extrema eficácia. Dessa forma, entende-se que a festa em Pindaré-Mirim quer mostrar vias alternativas para a melhoria do espaço e condições. Ela é uma forma de propagação, recuperação e permanência de sua história e cultura.

Assim como, a partir de uma breve incursão, esta investigação confirma a matriz dos povos Guajajara na formação da população de Pindaré, da mesma forma, confirma-se a outra vertente de sua origem também na população negra, pois os engenhos ali estavam e, não se pode pensar engenhos e fazendas no Brasil colonial e império sem pensar na presença do elemento negro.

Como já assinalado, a Colônia São Pedro teve sua vida efêmera, durando, apenas aproximadamente vinte anos, o período de sua falência coincidindo com as investidas nacionais e regional no projeto de industrialização do país e do estado, respectivamente. Nesse processo, destacamos a grande corrida para o projeto de implantação dos Engenhos Centrais instaurados no Brasil na segunda metade do século XIX, projeto este que teve suas bases no processo de industrialização do país que estava, por sua vez, intimamente relacionado à Revolução Industrial na Inglaterra, embora esta já houvesse sido deflagrada há mais de meio século.

A instalação desses engenhos centrais no Brasil é contemporânea aos anos de transição a que foram submetidas a economia e a sociedade brasileira, na

segunda metade do século XIX, representados fundamentalmente pela crise do trabalho escravo.

O período áureo dos Engenhos Centrais no Brasil corresponde ao que Suzingan (1986, p. 403), Vilela Luz (1975, p. 224) e outros autores denominam de “nosso primeiro surto industrial” que tem seu início por volta do ano 1870, porém alcança seu apogeu somente no decênio 1885 a 1895. De acordo com os autores, embora com um perfil muito diferenciado do processo desencadeado na Europa, no Japão e nos Estados Unidos, este é um momento da considerada “industrialização” do Brasil. Esse dado revela que por aproximadamente trezentos anos de história a transformação da matéria prima no Brasil foi feita com técnicas bastante elementares, em torno dos engenhos, na produção do açúcar, e da mineração.

A estrutura agrária brasileira teve sua origem na cultura do açúcar, e para tanto foram feitas doações de terras e organizou-se o comércio além da intensificação do tráfico de escravos. No entanto, o açúcar, produto mais importante da economia colonial, desde o século XVI, sempre oscilou passando por várias crises de acordo com o mercado e a política econômica da metrópole (FURTADO, 1970, p. 5).

No nordeste, a região do açúcar vivia em constantes crises, intercaladas apenas por alguns momentos de exaltação oriundos de situações específicas, como a melhoria de preços do açúcar nas épocas de depressão cambial. A situação peculiar em que vivia esta economia dificultava a inclusão de máquinas e a modernização dos métodos de produção.

Buscando alternativas para enfrentar a concorrência no mercado internacional, a classe agrária açucareira levara o governo a tomar medidas que apoiassem a instalação de engenhos centrais, com uma moderna tecnologia, como uma alternativa para a economia no final premente da escravidão dos negros, pois a máquina iria tanto substituir o braço do homem como produzir em menos tempo um açúcar de melhor qualidade. De acordo com Marchiori (1987),

colocava-se a questão dos engenhos centrais, como a grande unidade Fabril destinada a moer canas de diversas propriedades, separando-se as atividades agrícolas e industrial; esperava-se que uma conjunção de recursos fosse aplicada na lavoura outra no beneficiamento; os agricultores dedicariam seus capitais para melhoramento na terra, como fertilizantes irrigação e mecanização, não tendo necessidade de manter e melhorar  seus engenhos, podendo mesmo abandoná-los; os proprietários dos engenhos centrais, por sua vez, dedicariam seus recursos à modernização do setor industrial; os resultados seriam a cana mais barata e o açúcar mais competitivo. Isto significa que os senhores de engenho de uma região se reuniriam e fundariam um engenho central, passando assim, a se preocupar apenas com o beneficiamento do produto, podendo arranjar suas terras para que outros nelas plantassem cana (MARCCHIORI, 1987, p. 16).

Os senhores de engenho pressionaram o Estado e após longas discussões  foi aprovada no parlamento Imperial a idéia de criação de engenhos centrais. Assim, em 29 de setembro de 1875 foi promulgado o Decreto-Legislativo nº 2.658. Este decreto autorizava o governo a conceder isenção de direitos de importação para todos os materiais que visassem a construção e exploração de engenhos ou fábricas centrais, confirmando de uma vez por todas, o compromisso do governo na reformulação da economia açucareira. A partir dessa data o governo estabelece  uma política que incentiva e subvenciona a instalação desses centros fabris de produção.

Dentre seus vários artigos o decreto contemplava:

      que as companhias que se propusessem a estabelecer engenhos centrais deveriam usar aparelhos e processos modernos e bem aperfeiçoados;
      que as companhias se mostrassem associadas com os proprietários agrícolas, tendo já assegurado a qualidade de canas necessárias;
      que fossem distribuídos os engenhos centrais pelas províncias que anteriormente já cultivassem a cana;
      o Governo fiscalizaria o fiel cumprimento das obrigações contraídas por essas empresas e no tocante ao dinheiro da garanti de juros, este deveria se devolvido tão logo começasse a companhia a dar lucro. No que se refere à questão do trabalho, no engenho central ficava proibido o uso da mão-de-obra escrava.

Com esse conjunto de medidas, confirma-se que através da implantação dos Engenhos Centrais seriam introduzidos novos métodos para a fabricação do açúcar. Esses novos métodos demandaram maior racionalização do trabalho e aceleravam  a transição do trabalho escravo para o trabalho livre, pois as novas condições de produção não comportavam um sistema com trabalho servil.

As vantagens espalhadas sobre os engenhos centrais tiveram boa aceitação no Maranhão. Em 1876 o jornal “O País” assim publicou:

Entende-se por engenho central a empresa que separando os dois ramos industriais da fabricação de açúcar – lavoura e fabrico – deixando somente aos lavradores o fornecimento da cana, reservando a fábrica a sua manipulação, permite interessar grande número de capitalistas e  lavradores, aprimorando estes com o dobro dos respectivos rendimentos brutos sem as despesas do próprio fabrico – e aqueles com dividendos certos e seguros, que até hoje tem variado de 16% a 18% segundo as localidades (O PAÍS, 10 de março de 1876, p. 01).

Assim, a idéia foi ganhando substância e os comerciantes da época logo cuidaram em concretizá-la. Entretanto, desde o início, havia a consciência sobre os obstáculos que seriam encontrados para a concretização do empreendimento, dentre eles o mais sério estava no fornecimento de matéria-prima para o Engenho Central. Diante desses entraves, um grupo de lavradores se comprometeu em desfazer-se de seus engenhos para ser somente fornecedor, e com isso garantir a matéria-prima.

O Vale do Pindaré foi o local escolhido para a implementação do engenho. Em junho de 1880 para instaurar o Engenho Central foi fundada a Companhia Progresso Agrícola. As primeiras máquinas chegaram da Inglaterra em junho de 1882. De lá também vieram os técnicos tanto para a construção da via férrea como para a construção da fábrica (DIÁRIO DO MARANHÃO, 07/02/1887, p. 01).

Efetivamente, o Engenho Central São Pedro foi inaugurado no dia 16 de agosto de 1884. Várias foram as razões que levaram a primeira safra - concluída a
30 de dezembro de 1884 – a fechar com um déficit, dentre elas, o trabalho no engenho ser executado somente durante o dia, a falta de pessoal habilitado, a lavoura não ter fornecido a quantidade de cana-de-açúcar conforme o que havia sido acertado.

Já a segunda safra concluída a 30 de novembro de 1885 procurou corrigir essas dificuldades do primeiro momento, e conseguiu fechar com um superávit significativo. (DIÁRIO DO MARANHÃO, 07/02/1887, p. 01).

Viveiros se referindo à crônica do jornalista Euclides Faria, o “Compadre Lourenço”, quando acompanhara um grupo de dirigentes da Província, em uma viagem pelo rio Pindaré, oferece uma idéia do que de fato o Engenho Central São Pedro significou para a região do Pindaré e para a Província do Maranhão. Descrevendo a viagem, o autor coloca de frente trechos do cronista e mencionado jornalista. Ao ver de perto o rio, o cronista escreve:

Que rio tão caudaloso! Que deslumbrante riqueza, Onde a própria natureza, fez um viveiro piscoso, Tudo ali é majestoso, (sic) á sedutores painéis Quem navega essas marés, vê doudejarem ciganas, Nos galhos da ingaranas, nas águas os jacarés” Navegam em pleno rio. Surgem aqui e ali engenhos de velhos lavradores: ‘Malhadinha’, ‘S. Paulo’,
‘Boa Vista’, ‘Ipiranga’, ‘Jathay’ e por fim,
‘Outeiro’ que foi de Eduardo de Araújo Trindade [...] (VIVEIROS, 1954, p. 47).

Sobre o Engenho Central:

Afinal com 24 horas de viagem vê-se o soberbo e magestoso (sic) edifício do Engenho Central. E, deslumbrado, Euclides Faria pergunta:
Os que ainda não foram ao Engenho Central serão porventura capazes de fazer um juízo aproximado do que aquilo é?
Duvido. O que aqui se ouve chamar – Engenho São Pedro – não se descreve;
o que ali está só pode ser apreciado por quem lá for; tudo o mais escapa à pena de quem tentar descrever a sua maravilhosa grandeza [...].
Aquilo não é máquina, aquilo é: um gigante de mil pernas,
com as juntas todas de aço, tendo por olhos – luzernas, por alimento – bagaço, [...] Nas amplidões do espaço, o fumo tudo escurece,
O próprio sol enobrece, em vista desta fumaça,
que diz ao homem que passa
– aqui a vida floresce. [...].
Ali tudo é grande e majestoso; a gente sente-se pequeno diante da cana mais insignificante. O próprio bagaço de cana torna-se lá superior ao homem (VIVEIROS, 1954, pp. 48-50).

E, Viveiros acrescenta que “Euclides Faria conclui (sic..) a sua crônica com estas palavras”:

O Engenho Central constitui uma das riquezas da nossa Província. Ali está o progresso de nossa terra, onde o desânimo tem avassalado os espíritos mais fortes. Os incrédulos têm a obrigação de visitá-los, os curiosos devem vê-lo como um objeto digno de maior apreço e os que já tiveram, como eu, a dita de presenciar aquele foco de civilização e progresso, não podem deixar de entusiasmar-se e sentir pungentes saudades daqueles sítios.
Onde o ferro iguala o ouro, onde o trabalho enobrece, Onde ávida não fenece, onde o terreno é tesouro.
(PUBLICADOR MARANHENSE apud VIVEIROS, 1954, p. 50).

Os versos avulsos de Nicollas & Batista que tem como título “A Fumaça da Saudade” vêm confirmar o itinerário histórico da cidade de Pindaré e o sentido atribuído por sua população ao Engenho Central. Os escritores populares assim se reportam:


“Ê, Engenho Central.
Paciência tem Preguiça
E eu não vou me
conformar.
Vou brigar pelo que é meu
Pindaré-Mirim, não vou calar

No Brasil foi a primeira
Que a energia elétrica iluminou
Já cansei de ouvir promessa
Não sou burro seu ‘Doutô’
Eu sou filho dessa terra
Ela nunca me abandonou

Vindo da ‘Ponta da Linha’
A cana-de-açúcar chegou
Viajando pelo trilho
Que o novo progresso arrastou
Mudando pra Pernambuco
E o maquinário levou

Só restou a chaminé
A lembrança que ficou
E foi a ‘Vila São Pedro’
Que o Santo abençoou
Hoje só restam memórias
De um passado que brilhou.

(Texto avulso. Centro Educacional
Nossa Senhora Aparecida.”
Pindaré-Mirim, 20/08/2003).



De uma coletânea, cujo título é “Engenho Central – Monumento do acaso”, os escritores populares continuam a fazer memória:


“[...] E o Maranhão indeciso Em ser agrícola ou industrial
Mas investir era preciso Pois havia capital
E investiram na construção De um parque fabril urgente

Que foi a destruição
Da economia maranhense

Expulsaram os nativos
Guajajara nação amada
Que preferiram ficar vivos
E fugiram em debandada
E os visitantes então
Começaram a erigir
Uma imensa construção
Com argamassa e cimento
Um engenho imponente
Para o açúcar decadente
Sofrer beneficiamento

Mas não foi só o negro
Que sofreu essa desdita
O índio perdeu seu sossego
Na história está escrita
A saga dos Guajajara
Da nação que habitara
Essa terra tão bonita

A história do Engenho Central
Ainda é muito confusa
Não uma versão ideal
Há uma gama profusa
De versões que contam a história
Pra que fique na memória
Seqüelas da dominação lusa

Paralelo a este feito
Também houve investimento
Em engenhos de todo jeito
Pelo interior a dentro
E veio projeto até
Pras bandas do Pindaré
Mas já fora do momento

Os senhores de engenho
Acordavam os escravos cedo
Queriam mais que empenho
E não pediam segredo
Fizeram a construção
Onde hoje religião
Por questão de devoção
Chama Praça de São Pedro

Oh! Jovens que contemplai
Hoje a Praça de São Pedro
Com a força do peito gritai
Pois não precisa ter medo
Chama a alma de cada infeliz
Que um dia a história quis
Colocá-los ao degredo

Nosso Engenho Central Hoje motivo de contemplação
Foi um terrível local Pra toda uma nação
De negros que apanhavam demais
Tratados como animais Em nome da produção”


Essa história assume um aspecto peculiar, ela revela as relações existentes entre a população de Pindaré, os Guajajara, o Engenho Central e os negros. Há nela também reflexo de uma memória que, se por um lado, quer encobrir as lembranças de um passado triste e desumano, por outro lado, quer lembrar e reconstruir algo diferente, alegre, feliz.

Os escritores populares ao narrar essa história seguem o caminho que reconhece a origem da população pindareense e nela assumem como verdadeira a existência de negros trabalhando como escravos no Engenho Central. É a lembrança individual que recolhe as lembranças coletivas que emergem de um passado sombrio em busca de um presente brilhante. Nesse sentido, Halbwachs evidencia que, “um homem, para evocar seu próprio passado, tem frequentemente necessidade de fazer apelo às lembranças dos outros. Ele se reporta a pontos de referência que existem fora dele, e que são afixados pela sociedade”

(HALBWACHS,      1990, p.      54).   Nessa        perspectiva,        as         lembranças        pessoais sustentam-se em marcas ou indicações coletivas.

Trilhando o caminho de depoimentos de alguns sujeitos na cidade de Pindaré, é possível averiguar lembranças que fizeram a cidade, e nelas perceber a presença da população negra que circulou nessa região em regime de escravidão.

É impressionante como no Maranhão não se encontra algo de documentação escrita sobre os negros que foram levados para a região do Pindaré. Em nenhuma passagem dos poucos escritos sobre o Engenho Central é dado destaque ao negro e à sua importância para Pindaré. Este, quando aparece é sempre citado como o escravo que transitava pela região do Pindaré nos engenhos dos arredores, entendido, portanto, somente como o escravo das fazendas e nunca como um sujeito histórico que participou da origem da cidade. No entanto, a análise dos relatos orais aponta as subjetividades e leituras individuais, que, por vezes, desmontam padrões elaborados até mesmo por escritores.

Fontes, narrativas individuais mostram que o discurso político contribui para a construção do imaginário do Pindareense na cidade e na região, nele as festas aparecem de forma embutida e por vezes disfarçadas, como o grande redentor do município e responsável por diversas ações. Mas quando interrogados pela origem das festas na cidade a resposta é imediata:

É do povo negro. E aqui tudo é negro. É dos índios. Deles só ficou mesmo uma história pra contar. Eles sempre fizeram suas festas. Os africanos sempre fizeram suas festas. Aqui é mesmo tudo de preto e de índio. Nós mostramos o que nós temos: nossas festas, nosso carnaval, que é o melhor de toda essa região por aqui (Sr. EUZAMAR, carnavalesco de Pindaré, entrevista realizada em janeiro de 2005).

O ponto de vista do Sr. Euzamar reflete um legado cultural e o elemento redentor que é a festa em Pindaré-Mirim, pois sua fala resume o imaginário construído: “nós mostramos o que nós temos, nossas festas”. A festa dá outra visibilidade á cidade, a sua população. É sua característica, sua identidade.

Houve um passado de glória e um passado escravista. Para a população de Pindaré a herança ficou pelas festas e isso une e eleva a cidade. No depoimento ainda aparece a consciência de que Pindaré tem uma população negra e uma população descendente indígena, e que as festas, ali, nelas têm sua matriz. Essa atitude desse informante reflete um dos aspectos do paradoxo existente em meio a população da cidade, ora pessoas assumem que ali é uma cidade com um contingente expressivo negro e com uma cultura majoritariamente negra, ora as pessoas tentam negar essa presença.


Fonte: Maria Zenaide Costa - Mestrado em Ciências Sociais, 2018



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