O Bumba-meu-Boi de Pindaré
“Ó meu
Maranhão, É Athenas brasileira,
É a Terra das
palmeiras, Onde canta o sabiá, Maranhão do Babaçu, Natureza vegetal,
É cidade dos
azulejos, Pindaré o patrimônio cultural.” (CD, Bumba-Meu-Boi de Pindaré, 2004.
(Cantor: João Batista)
Inserida no contexto das
festas de Pindaré, o conhecido Bumba-meu-Boi de Pindaré é uma das manifestações
que carrega em si uma peculiaridade própria da região. Esse Bumba-meu-Boi é
considerado no Maranhão com um sotaque próprio que leva o nome da cidade,
“sotaque de Pindaré”.
Além de considerar esse
aspecto, a escolha desta festa para esta análise se baseia na percepção que,
assim como no Maranhão, em Pindaré a dramaturgia do Bumba-meu-Boi, expressa
eminentemente raízes do negro escravo, do nordestino vaqueiro nas fazendas de
gado, do indígena curandeiro e do branco fazendeiro. Entende-se essa festa como
um dos elementos de ligação entre outras festas, pois, o Bumba-meu-Boi na
cidade é “convidado” para abrilhantar diversas festas populares, tanto dos
Terreiros como da Igreja Católica.
O canto de João Batista,
citado acima, evoca o imaginário da população de Pindaré, ao atribuir à cidade
a honra de “patrimônio cultural”. Do ponto de vista da população, Pindaré é uma
espécie de guardiã da tradição maranhense.
O Bumba-meu-Boi no Maranhão é
uma expressão cultural que conjuga símbolos, significados e sentidos que se
propagam no tempo através das gerações e
que no decorrer dos anos sustenta-se na constituição e reconstituição da
história de seu povo (REIS, 2004). No Bumba-meu-Boi do Maranhão, esses sentidos
estão relacionados a um passado e à história do povo. Assim, essa festa ilustra
uma condição de elaboração e de configuração de identidades, apresenta-se como
um sistema de referências. “Nosso Boi relembra nossos antepassados, hoje
brincamos e homenageamos os escravos e o índio que em nossa terra sofreram
muito” (Sr. João Leite, presidente do Boi Milagre Dourado, Pindaré).
O depoimento invoca um passado, retoma raízes, faz memória.
Para vários autores,
principalmente escritores regionais, o Bumba-meu-Boi no Maranhão é uma das
manifestações folclóricas, de maior importância e uma das mais empolgantes.
É um dos sinônimos mais autênticos de maranhensidade, um gigantesco Espetáculo
Popular, onde brincantes e espectadores, livremente, assumem os seus
respectivos papéis na dramaturgia do folguedo. Aqui, no nosso Maranhão é
denominado somente de Boi ou Bumba-boi, um festa gigantesca do povo deste
torrão, um viva à liberdade, um grito de felicidade (REIS, 2004, p. 51).
Para este mesmo autor, a origem do
Bumba-Boi na região está ligada à pecuária, tendo surgido também de
brincadeiras dos negros escravos nas fazendas e nos engenhos (Reis, 2004). Em
geral, toma-se os últimos anos do século XVIII como data referência do
surgimento dessa manifestação festiva na região. Todavia, fontes revelam que
principalmente na capital houve perseguição sistemática da polícia a mando dos
governantes à época.
Julgavam esse folguedo, prejudicial à ordem
pública chegando mesmo a proibir sua exibição, como ocorreu nas décadas de 50 e
60 do século XVIII [...]. Em 1858 o jornal O Globo, que se editava em São Luís,
estampava a notícia tachando o Bumba-Boi de ‘brincadeira indecente, grotesca,
bárbara’ e que por, devia ‘ser proibida’ (CAVALCANTI, 2003, p. 99 apud REIS, 2004, p. 51).
Somente 1868 é que o
Bumba-meu-Boi no Maranhão renasce. Na capital por estar mais exposto aos olhos
da polícia a perseguição foi maior, no interior por mais que houvesse perseguição
o folguedo sempre continuou.
Nesse contexto de
perseguição, retomada e afirmação, se inclui o Bumba- meu-Boi de Pindaré. Essa
afirmação parte do acompanhamento que foi feito não só no tempo da pesquisa,
mas, sobretudo, pela própria vivência e experiência no dia-a- dia com essa
população, uma vez que ali está minha família de sangue. Conhecendo-se
pessoalmente os “Bois” da cidade, e escutando muitos de seus brincantes “mais
velhos”, observei que, não se sabe ao
certo quando foi iniciada esta festa na
região do Pindaré. De um modo geral as pessoas acreditam que a brincadeira “é
do tempo da escravidão” e que “foi feita às escondidas” dos fazendeiros e dos
políticos por muitos anos. Até o momento, nada se tem escrito a respeito de
quando e de como o folguedo se desenvolveu ao longo dos anos em Pindaré. Está
no imaginário e na memória das pessoas da cidade. “Sei que meus avós, já
brincavam o ‘Boi’ aqui. Acho que recebi como herança deles, não posso parar”
(brincante do Boi Brilho de São João). E, assim são vários e constantes os
depoimentos que voltam a um passado, que se revela de forma dinâmica e vai se
recompondo.
Só sei dizer que nasci aqui, meus pais
também, meus avós também, meus bisavós também, toda minha família nasceu e se
criou aqui. Desde que sou gente e me entendi vejo o Bumba-Boi aqui. Então é
coisa de muitos anos mesmo, tá em nossas veias. Lembro de meu avô cantando e
brincando o Boi aqui. Ele era chefe (Brincante de 68 anos, entrevista
26.08.2006).
São anos que nos separam do
século XVIII e pela nossa pesquisa constatamos que somente vai aparecer algo
por escrito sobre o Bumba-meu-Boi de Pindaré a partir dos anos 70 do século XX.
Quando, “em 1973 Coxinho61 acompanhou o Bumba-Boi de Pindaré numa
excursão ao Rio de Janeiro, comandada pelo folclorista Américo Azevedo [...].
Américo exigiu que Coxinho, [...] e todos integrantes da brincadeira, gravassem
um disco, o que foi feito com muito sucesso” (JORNAL O ESTADO, 06.09.1977, p.
02). Com isso estava lançado aos olhos do país o “Sotaque de Pindaré”.
Em notícia mais anterior
encontra-se no Jornal Imparcial do Maranhão (04.04.1991) que ao contar a
história de Coxinho, o jornal revela que este cantador de Boi, integrou o Boi
de Pindaré no ano de 1960.
Tanto Reis (2004) quanto
vários outros autores costumam classificar o Bumba-meu-Boi do Maranhão em
estilos, ritmos ou sotaques. Seguindo esta linha, os sotaques do Bumba-Boi são
cinco e estão classificados em: Boi de Matraca, Boi da Zabumba, Boi de
Orquestra, Boi de Pindaré, Boi de Cururupu ou Costa-de-Mão. Para os autores que
fazem esta classificação, a diferença fundamental é o tipo de instrumento que
cada grupo usa (matraca, zabumba, orquestra). Entretanto cada grupo possui,
além desta, outras características que lhe são muito próprias, manifestando-se
de forma bem acentuada seja na indumentária ou no próprio jeito de dançar.
Para o Sotaque próprio de
Pindaré, são usados instrumentos, indumentárias, ritmo, o que lhe confere uma
característica peculiar. Segundo interpretações, esse sotaque se destaca com um
tom melancólico e nostálgico.
De acordo com Reis o Boi de Pindaré,
É quase o estilo de matraca: apenas o ritmo
é mais lento; os pandeiros são menores e o estilo da fantasia é bem diferente.
Tal distinção tem bastante realce nos chapéus dos rajados, que são bem grandes.
Os instrumentos usados por este ritmo destacam-se: pandeirinhos, tambores-onça,
maracás e matracas As matracas têm maior realce em detrimento aos sons dos
pandeirões. O marcador é tambor-onça e o maracá coordena a linha melódica das
matracas, com o forção de um conjunto sonoro dos melhores da linha boeira. Os
grupos apologistas deste sotaque se utilizam de uma vertente de ritmo dolente,
o qual vai gradativamente ganhando o gosto do expectador, diferente, portanto,
do seu congênere do estilo da Ilha, cujos bumbas se destacam pelo estalo das
matracas em uma excitação, os Bois do citado ritmo batem uma matraca contra a
outra com sutileza e bastante levura, sonolentas. ‘O batuque que me delas vem é
tímido como um sorriso depois de chorar’ (AZEVEDO NETO, apud REIS, 2004, p. 62).
Além da cidade de Pindaré,
diversas cidades no Maranhão seguem este sotaque, como por exemplo, Viana e São
João Batista.
Dessa forma, arrisca-se dizer
que o Bumba-Boi de Pindaré existe de forma centenária e se impõe no estado do
Maranhão com seu sotaque próprio. Na cidade, o Bumba-meu-Boi faz parte do
circuito das festas e está presente em todas as festas populares, de modo
especial nos festejos religiosas dos Terreiros e na Igreja Católica no grande
festejo do Padroeiro da cidade, São Pedro. Nessas festas não pode faltar o Boi.
Para cada festa o convite depende do “dono” da festa, que em geral, convida um
ou mais Bois para abrilhantar a festa. Porém, em determinadas festas todos os
Bois se apresentam. Um exemplo disso é a festa de São Pedro durante o mês de
junho. Durante as nove noites – novena - que antecedem o dia do santo, 29 de
junho, há apresentações de Bumba-Boi a cada noite, além disso, na programação
do festejo há a noite dos Bois. Durante esse dia há o ritual da bênção dos Bois
na Igreja. Para esse ritual todos os Bois ficam expostos no centro da igreja,
enquanto o padre numa celebração profere a bênção especial. Os donos, os
brincantes e os simpatizantes de cada Boi se fazem presentes neste momento.
Atualmente, de acordo com o
Secretário Adjunto de Cultura da cidade, Carlos Moraes, existem 15 grupos de
Bois em Pindaré. Estes Bois estão organizados em Associações consideradas pela
Prefeitura como Associações Folclóricas, e em Grupos de Amigos. Em seu
depoimento assim se expressa, a respeito do Boi de Pindaré:
Hoje é a maior manifestação folclórica da
cidade, tendo um sotaque próprio que é o de matraca. Temos três grandes noites
do Bumba-meu-boi em nosso município. Onde no primeiro dia -25 de junho - temos
a Boiada do Pé de Axixá, que reúne mais de cinco mil pessoas sendo jovens,
adultos, crianças e pessoas da terceira idade. O segundo dia – 27 de junho -
temos o maior encontro de Bumba-meu-boi do Maranhão, sendo apresentado três
toadas de cada associação. O terceiro dia – 28 de junho - reúne milhares de
pessoas. Este é o dia da mais famosa boiada de Pindaré – a conhecida ‘Pé de
Galhinha’. Além do sotaque próprio há o destaque especial tanto na indumentária
quanto nos componentes, diferente de outras cidades do Maranhão (Carlos Moraes,
janeiro de 2006).
No depoimento, a expressão
“diferente de outras cidades” remete à compreensão de que o Bumba-Boi em
Pindaré é símbolo que congrega sentidos e representa-se como um espaço propício
para demarcar diferença, enfim constituir a idéia de grupo. Sob esse aspecto se
aplica o que Cuche propõe a respeito da identidade, “A identidade social é ao
mesmo tempo inclusão e exclusão: ela identifica o grupo e o distingue dos
outros” (CUCHE, 1999, p. 176).
Portanto, o Boi de Pindaré
com seu sotaque próprio, congrega elementos que ajudam na afirmação da
identidade da cidade, pois os pindareenses no sotaque do Boi se reconhecem e se
sabem pertencentes àquela cidade, bem como, sabem estabelecer fronteiras e
diferenciar o seu sotaque do de outros locais.
De acordo com Reis (2004), o
Boi de Pindaré com seu sotaque próprio tem a seguinte estrutura:
O
Boi – é uma armação de
madeira fina (varas), como cobertura de buriti e coberta especialmente com
veludo artisticamente bordado. A cabeça moldada complementada com chifres
verdadeiros com ponteiras de ouro ou algum metal semelhante;
Ciclo
– que envolvem as reuniões
que acontecem nos meses de janeiro de fevereiro para as combinações; os ensaios
semanais; as elaborações das novas “toadas”; o grande “ensaio redondo” no dia
12 de maio – ensaio geral - Neste ensaio todos os Bois se apresentam e fazem
tudo como se fosse nos dias mais intensos dos festejos, 23 a 30 de junho; o
batizado do Boi – que em geral é dia 23 de junho, véspera de São João. O ciclo
termina por volta dos meses de setembro e outubro com o ritual da morte do Boi
(para os Bois que o fazem);
Enredo
– a lenda principal da
“brincadeira” é a narração da história de um casal de negros escravos de uma
determinada fazenda; o homem chamado Francisco (nego Chico, Pai Francisco) e a
mulher, Catirina (Mãe Catirina). Esta grávida e deseja comer a língua do boi.
Pai rouba o boi mais bonito da fazenda, mas é descoberto por seu patrão na hora
que está matando o boi. Tudo fica triste, pois o boi mais querido da fazenda
estava morto. O captaz a mando do patrão vem apurar o caso. Os vaqueiros acusam
nego Chico como o responsável pela morte do boi. Um grupo vem prendê-lo. Nego
Chico reage, luta, se recusa a se apresentar ao patrão e foge para a mata.
Formaram uma equipe de índios, pois este conhecem mais a mata, para ir capturar
o nego Chico. Dominado, é conduzido até o patrão. Deve dar conta do Boi ou
pagar com a própria vida. Passa por grande interrogatório, depois confessa o
crime. Toda a fazenda é mobilizada para salvar o boi. Chamam os doutores que
não conseguem reanimar o animal. Um dos índios sugere chamar o pajé da tribo
mais próxima, este vem e com bênçãos e orações consegue ressuscitar o animal.
Todos da fazenda se alegram e vão festejar. Nego Chico e o boi estão salvos;
Dramaturgia
– as danças são realizadas
no período de 1º de junho até início de outubro. No início de qualquer
apresentação o amo (cantador) guarnece
o boi, com uma toada intitulada “Guarnicê”. Em seguida é cantada a toada “Lá
Vai” – é o aviso que o Boi está chegando, depois é cantada a toada “Cheguei” ou
a “Licença” é o pedido de licença para a apresentação; a quarta toada é a
“Saudação” é a louvação ao boi, ao dono da casa ou ao local da apresentação. A
dramaturgia da Catirina e do Nego Chico faz parar de vez a “brincadeira” e tudo
se volta para a apresentação da lenda;
Principais
personagens – Pai
Francisco personagem principal; Mãe Catirina, - esposa do Pai Francisco; Amo –
capataz, segunda pessoa do fazendeiro, dono do terreiro (fazenda). Tem um
maracá na mão e é cantador das toadas; às vezes é o próprio dono do Boi.
Representa o senhor de engenho, o latifundiário, o criador de gado, o
“coronel”. O maracá simboliza um cetro, poder. Para se avaliar a qualidade de
um “Batalhão” ou “Tropeada”, tem-se como referência o seu cantador;
Vaqueiros
ou rapazes – brincam
dentro do cordão ou roda do boi; devem atender mandados do amo e dançam mais
próximos do boi. A dança dos vaqueiros é muito apreciável. Eles desafiam o boi
ao estilo de tourada. Tanto o Miolo – brincante que fica embaixo do boi,
exibindo coreografias com muita criatividade;
Caboclos
de Fita – são os
denominados baiantes ou brincantes, os personagens que brincam no cordão ou na
roda do boi. Muitos são pagadores de promessas a S. João e a São Pedro;
Doutor
– pode substituir, por
vezes, o pajé. É curandeiro que vem ressuscitar o boi;
Pajé
– é o curandeiro. – segue
o fundamento cristão, a morte e a ressurreição do boi é uma alegoria, imitação
da saga de Cristo;
Caboclos
reais ou caboclos de pena –
possui a mais rica indumentária do Boi. Suas fantasias são feitas de pena de
ema, tingidas, revelando um colorido muito vivo e deslumbrante. São as
personagens que ajudam a procurar Pai Francisco;
Índios
e Índias – é predominante
no sotaque próprio de Pindaré. Sua indumentária é à semelhança da do índio
tradicional, usa arco e flecha. São também chamadas Tapuias – e ajudam na caça
ou procurava o Boi;
Cazumba
– ás vezes confundida com
o Pai Francisco. Sua fantasia é muito criativa. Possui a traseira evidenciada e
porta luzes coloridas nas Caretas. Sua função é liga ao misticismo, que
rejuvenesce as forças espirituais da brincadeira. Os Cazumbas representam ainda
os espíritos da mata, ou seja, os “maus espíritos que giravam no desaparecimento
do Boi da fazenda que era o boi de estimação. Eles também ajudam na tentativa
de ressuscitar o Boi;
Mutucas
– são todas femininas. É a
companheira, namorada, esposa, mãe, tia, avó que acompanha seus entes queridos
do inicio ao final da brincadeira com a função de não deixar seu parceiro ficar
sem alegria, para tanto, carrega a sua comida. Elas não devem deixar o seu
parceiro dormir. São as personagens mais em evidência na dança;
D.
Maria – senhora que leva o quadro de São João;
Instrumentos
– Tambor –onça; Apito,
Maracá; matracas pequenas e finas dependuradas no pescoço por meio de cordéis;
tambores;
Uniforme
– que caracteriza tora a
turma: Chapéu de Pena de Ema – característica principal do Boi de Pindaré; as fardas bordadas e confecção de
Torres das caretas dos Cazumbás; Tanga e Guarda- peito – dos boiantes e outros
integrantes. São bordadas com miçanga e canutilho (luxo e brilho); o lombo do
Boi – bordado à mão com miçanga e canutilho.
61 Cantador do Boi de
Pindaré, responsável por expandir a nível nacional o “Sotaque de Pindaré”.
Bartolomeu dos Santos, - o Coxinho, nascido em Vitória do Mearim-Ma, Cantador
de Boi desde os 17 anos de idade. Integrou o Boi de Apolônio, no bairro da
Floresta, em São Luís desde o ano de 1945. Em 1960 ele passou a integrar o Boi
de Pindaré e deu visibilidade a seu sotaque próprio. Faleceu com 81 anos de
idade, em São Luís no dia 03.04.1991 (Jornal o Imparcial, 04.04.1991).
Fonte: A festa em
Pindaré-Mirim: nos trilhos da história a afirmação de uma identidade - Maria Zenaide
Costa - 2008
@pindaremirimmabr
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