O Bumba-meu-Boi de Pindaré - Pindaré Mirim

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segunda-feira, 1 de outubro de 2018

O Bumba-meu-Boi de Pindaré


O Bumba-meu-Boi de Pindaré

“Ó meu Maranhão, É Athenas brasileira,
É a Terra das palmeiras, Onde canta o sabiá, Maranhão do Babaçu, Natureza vegetal,
É cidade dos azulejos, Pindaré o patrimônio cultural.” (CD, Bumba-Meu-Boi de Pindaré, 2004.
(Cantor: João Batista)

Inserida no contexto das festas de Pindaré, o conhecido Bumba-meu-Boi de Pindaré é uma das manifestações que carrega em si uma peculiaridade própria da região. Esse Bumba-meu-Boi é considerado no Maranhão com um sotaque próprio que leva o nome da cidade, “sotaque de Pindaré”.
Além de considerar esse aspecto, a escolha desta festa para esta análise se baseia na percepção que, assim como no Maranhão, em Pindaré a dramaturgia do Bumba-meu-Boi, expressa eminentemente raízes do negro escravo, do nordestino vaqueiro nas fazendas de gado, do indígena curandeiro e do branco fazendeiro. Entende-se essa festa como um dos elementos de ligação entre outras festas, pois, o Bumba-meu-Boi na cidade é “convidado” para abrilhantar diversas festas populares, tanto dos Terreiros como da Igreja Católica.

O canto de João Batista, citado acima, evoca o imaginário da população de Pindaré, ao atribuir à cidade a honra de “patrimônio cultural”. Do ponto de vista da população, Pindaré é uma espécie de guardiã da tradição maranhense.

O Bumba-meu-Boi no Maranhão é uma expressão cultural que conjuga símbolos, significados e sentidos que se propagam no tempo através das gerações  e que no decorrer dos anos sustenta-se na constituição e reconstituição da história de seu povo (REIS, 2004). No Bumba-meu-Boi do Maranhão, esses sentidos estão relacionados a um passado e à história do povo. Assim, essa festa ilustra uma condição de elaboração e de configuração de identidades, apresenta-se como um sistema de referências. “Nosso Boi relembra nossos antepassados, hoje brincamos e homenageamos os escravos e o índio que em nossa terra sofreram muito” (Sr. João Leite, presidente do Boi Milagre Dourado, Pindaré). O depoimento invoca um passado, retoma raízes, faz memória.

Para vários autores, principalmente escritores regionais, o Bumba-meu-Boi no Maranhão é uma das manifestações folclóricas, de maior importância e uma das mais empolgantes.

É um dos sinônimos mais autênticos de maranhensidade, um gigantesco Espetáculo Popular, onde brincantes e espectadores, livremente, assumem os seus respectivos papéis na dramaturgia do folguedo. Aqui, no nosso Maranhão é denominado somente de Boi ou Bumba-boi, um festa gigantesca do povo deste torrão, um viva à liberdade, um grito de felicidade (REIS, 2004, p. 51).

Para este mesmo autor, a origem do Bumba-Boi na região está ligada à pecuária, tendo surgido também de brincadeiras dos negros escravos nas fazendas e nos engenhos (Reis, 2004). Em geral, toma-se os últimos anos do século XVIII como data referência do surgimento dessa manifestação festiva na região. Todavia, fontes revelam que principalmente na capital houve perseguição sistemática da polícia a mando dos governantes à época.

Julgavam esse folguedo, prejudicial à ordem pública chegando mesmo a proibir sua exibição, como ocorreu nas décadas de 50 e 60 do século XVIII [...]. Em 1858 o jornal O Globo, que se editava em São Luís, estampava a notícia tachando o Bumba-Boi de ‘brincadeira indecente, grotesca, bárbara’ e que por, devia ‘ser proibida’ (CAVALCANTI, 2003, p. 99 apud REIS, 2004, p. 51).

Somente 1868 é que o Bumba-meu-Boi no Maranhão renasce. Na capital por estar mais exposto aos olhos da polícia a perseguição foi maior, no interior por mais que houvesse perseguição o folguedo sempre continuou.

Nesse contexto de perseguição, retomada e afirmação, se inclui o Bumba- meu-Boi de Pindaré. Essa afirmação parte do acompanhamento que foi feito não só no tempo da pesquisa, mas, sobretudo, pela própria vivência e experiência no dia-a- dia com essa população, uma vez que ali está minha família de sangue. Conhecendo-se pessoalmente os “Bois” da cidade, e escutando muitos de seus brincantes “mais velhos”, observei que, não se sabe ao certo quando foi iniciada  esta festa na região do Pindaré. De um modo geral as pessoas acreditam que a brincadeira “é do tempo da escravidão” e que “foi feita às escondidas” dos fazendeiros e dos políticos por muitos anos. Até o momento, nada se tem escrito a respeito de quando e de como o folguedo se desenvolveu ao longo dos anos em Pindaré. Está no imaginário e na memória das pessoas da cidade. “Sei que meus avós, já brincavam o ‘Boi’ aqui. Acho que recebi como herança deles, não posso parar” (brincante do Boi Brilho de São João). E, assim são vários e constantes os depoimentos que voltam a um passado, que se revela de forma dinâmica e vai se recompondo.

Só sei dizer que nasci aqui, meus pais também, meus avós também, meus bisavós também, toda minha família nasceu e se criou aqui. Desde que sou gente e me entendi vejo o Bumba-Boi aqui. Então é coisa de muitos anos mesmo, tá em nossas veias. Lembro de meu avô cantando e brincando o Boi aqui. Ele era chefe (Brincante de 68 anos, entrevista 26.08.2006).

São anos que nos separam do século XVIII e pela nossa pesquisa constatamos que somente vai aparecer algo por escrito sobre o Bumba-meu-Boi de Pindaré a partir dos anos 70 do século XX. Quando, “em 1973 Coxinho61 acompanhou o Bumba-Boi de Pindaré numa excursão ao Rio de Janeiro, comandada pelo folclorista Américo Azevedo [...]. Américo exigiu que Coxinho, [...] e todos integrantes da brincadeira, gravassem um disco, o que foi feito com muito sucesso” (JORNAL O ESTADO, 06.09.1977, p. 02). Com isso estava lançado aos olhos do país o “Sotaque de Pindaré”.


Em notícia mais anterior encontra-se no Jornal Imparcial do Maranhão (04.04.1991) que ao contar a história de Coxinho, o jornal revela que este cantador de Boi, integrou o Boi de Pindaré no ano de 1960.

Tanto Reis (2004) quanto vários outros autores costumam classificar o Bumba-meu-Boi do Maranhão em estilos, ritmos ou sotaques. Seguindo esta linha, os sotaques do Bumba-Boi são cinco e estão classificados em: Boi de Matraca, Boi da Zabumba, Boi de Orquestra, Boi de Pindaré, Boi de Cururupu ou Costa-de-Mão. Para os autores que fazem esta classificação, a diferença fundamental é o tipo de instrumento que cada grupo usa (matraca, zabumba, orquestra). Entretanto cada grupo possui, além desta, outras características que lhe são muito próprias, manifestando-se de forma bem acentuada seja na indumentária ou no próprio jeito de dançar.

Para o Sotaque próprio de Pindaré, são usados instrumentos, indumentárias, ritmo, o que lhe confere uma característica peculiar. Segundo interpretações, esse sotaque se destaca com um tom melancólico e nostálgico.

De acordo com Reis o Boi de Pindaré,

É quase o estilo de matraca: apenas o ritmo é mais lento; os pandeiros são menores e o estilo da fantasia é bem diferente. Tal distinção tem bastante realce nos chapéus dos rajados, que são bem grandes. Os instrumentos usados por este ritmo destacam-se: pandeirinhos, tambores-onça, maracás e matracas As matracas têm maior realce em detrimento aos sons dos pandeirões. O marcador é tambor-onça e o maracá coordena a linha melódica das matracas, com o forção de um conjunto sonoro dos melhores da linha boeira. Os grupos apologistas deste sotaque se utilizam de uma vertente de ritmo dolente, o qual vai gradativamente ganhando o gosto do expectador, diferente, portanto, do seu congênere do estilo da Ilha, cujos bumbas se destacam pelo estalo das matracas em uma excitação, os Bois do citado ritmo batem uma matraca contra a outra com sutileza e bastante levura, sonolentas. ‘O batuque que me delas vem é tímido como um sorriso depois de chorar’ (AZEVEDO NETO, apud REIS, 2004, p. 62).

Além da cidade de Pindaré, diversas cidades no Maranhão seguem este sotaque, como por exemplo, Viana e São João Batista.

Dessa forma, arrisca-se dizer que o Bumba-Boi de Pindaré existe de forma centenária e se impõe no estado do Maranhão com seu sotaque próprio. Na cidade, o Bumba-meu-Boi faz parte do circuito das festas e está presente em todas as festas populares, de modo especial nos festejos religiosas dos Terreiros e na Igreja Católica no grande festejo do Padroeiro da cidade, São Pedro. Nessas festas não pode faltar o Boi. Para cada festa o convite depende do “dono” da festa, que em geral, convida um ou mais Bois para abrilhantar a festa. Porém, em determinadas festas todos os Bois se apresentam. Um exemplo disso é a festa de São Pedro durante o mês de junho. Durante as nove noites – novena - que antecedem o dia do santo, 29 de junho, há apresentações de Bumba-Boi a cada noite, além disso, na programação do festejo há a noite dos Bois. Durante esse dia há o ritual da bênção dos Bois na Igreja. Para esse ritual todos os Bois ficam expostos no centro da igreja, enquanto o padre numa celebração profere a bênção especial. Os donos, os brincantes e os simpatizantes de cada Boi se fazem presentes neste momento.


Atualmente, de acordo com o Secretário Adjunto de Cultura da cidade, Carlos Moraes, existem 15 grupos de Bois em Pindaré. Estes Bois estão organizados em Associações consideradas pela Prefeitura como Associações Folclóricas, e em Grupos de Amigos. Em seu depoimento assim se expressa, a respeito do Boi de Pindaré:
Hoje é a maior manifestação folclórica da cidade, tendo um sotaque próprio que é o de matraca. Temos três grandes noites do Bumba-meu-boi em nosso município. Onde no primeiro dia -25 de junho - temos a Boiada do Pé de Axixá, que reúne mais de cinco mil pessoas sendo jovens, adultos, crianças e pessoas da terceira idade. O segundo dia – 27 de junho - temos o maior encontro de Bumba-meu-boi do Maranhão, sendo apresentado três toadas de cada associação. O terceiro dia – 28 de junho - reúne milhares de pessoas. Este é o dia da mais famosa boiada de Pindaré – a conhecida ‘Pé de Galhinha’. Além do sotaque próprio há o destaque especial tanto na indumentária quanto nos componentes, diferente de outras cidades do Maranhão (Carlos Moraes, janeiro de 2006).

No depoimento, a expressão “diferente de outras cidades” remete à compreensão de que o Bumba-Boi em Pindaré é símbolo que congrega sentidos e representa-se como um espaço propício para demarcar diferença, enfim constituir a idéia de grupo. Sob esse aspecto se aplica o que Cuche propõe a respeito da identidade, “A identidade social é ao mesmo tempo inclusão e exclusão: ela identifica o grupo e o distingue dos outros” (CUCHE, 1999, p. 176).

Portanto, o Boi de Pindaré com seu sotaque próprio, congrega elementos que ajudam na afirmação da identidade da cidade, pois os pindareenses no sotaque do Boi se reconhecem e se sabem pertencentes àquela cidade, bem como, sabem estabelecer fronteiras e diferenciar o seu sotaque do de outros locais.

De acordo com Reis (2004), o Boi de Pindaré com seu sotaque próprio tem a seguinte estrutura:

O Boi – é uma armação de madeira fina (varas), como cobertura de buriti e coberta especialmente com veludo artisticamente bordado. A cabeça moldada complementada com chifres verdadeiros com ponteiras de ouro ou algum metal semelhante;

Ciclo – que envolvem as reuniões que acontecem nos meses de janeiro de fevereiro para as combinações; os ensaios semanais; as elaborações das novas “toadas”; o grande “ensaio redondo” no dia 12 de maio – ensaio geral - Neste ensaio todos os Bois se apresentam e fazem tudo como se fosse nos dias mais intensos dos festejos, 23 a 30 de junho; o batizado do Boi – que em geral é dia 23 de junho, véspera de São João. O ciclo termina por volta dos meses de setembro e outubro com o ritual da morte do Boi (para os Bois que o fazem);

Enredo – a lenda principal da “brincadeira” é a narração da história de um casal de negros escravos de uma determinada fazenda; o homem chamado Francisco (nego Chico, Pai Francisco) e a mulher, Catirina (Mãe Catirina). Esta grávida e deseja comer a língua do boi. Pai rouba o boi mais bonito da fazenda, mas é descoberto por seu patrão na hora que está matando o boi. Tudo fica triste, pois o boi mais querido da fazenda estava morto. O captaz a mando do patrão vem apurar o caso. Os vaqueiros acusam nego Chico como o responsável pela morte do boi. Um grupo vem prendê-lo. Nego Chico reage, luta, se recusa a se apresentar ao patrão e foge para a mata. Formaram uma equipe de índios, pois este conhecem mais a mata, para ir capturar o nego Chico. Dominado, é conduzido até o patrão. Deve dar conta do Boi ou pagar com a própria vida. Passa por grande interrogatório, depois confessa o crime. Toda a fazenda é mobilizada para salvar o boi. Chamam os doutores que não conseguem reanimar o animal. Um dos índios sugere chamar o pajé da tribo mais próxima, este vem e com bênçãos e orações consegue ressuscitar o animal. Todos da fazenda se alegram e vão festejar. Nego Chico e o boi estão salvos;

Dramaturgia – as danças são realizadas no período de 1º de junho até início de outubro. No início de qualquer apresentação o amo (cantador) guarnece o boi, com uma toada intitulada “Guarnicê”. Em seguida é cantada a toada “Lá Vai” – é o aviso que o Boi está chegando, depois é cantada a toada “Cheguei” ou a “Licença” é o pedido de licença para a apresentação; a quarta toada é a “Saudação” é a louvação ao boi, ao dono da casa ou ao local da apresentação. A dramaturgia da Catirina e do Nego Chico faz parar de vez a “brincadeira” e tudo se volta para a apresentação da lenda;

Principais personagens – Pai Francisco personagem principal; Mãe Catirina, - esposa do Pai Francisco; Amo – capataz, segunda pessoa do fazendeiro, dono do terreiro (fazenda). Tem um maracá na mão e é cantador das toadas; às vezes é o próprio dono do Boi. Representa o senhor de engenho, o latifundiário, o criador de gado, o “coronel”. O maracá simboliza um cetro, poder. Para se avaliar a qualidade de um “Batalhão” ou “Tropeada”, tem-se como referência o seu cantador;

Vaqueiros ou rapazes – brincam dentro do cordão ou roda do boi; devem atender mandados do amo e dançam mais próximos do boi. A dança dos vaqueiros é muito apreciável. Eles desafiam o boi ao estilo de tourada. Tanto o Miolo – brincante que fica embaixo do boi, exibindo coreografias com muita criatividade;

Caboclos de Fita – são os denominados baiantes ou brincantes, os personagens que brincam no cordão ou na roda do boi. Muitos são pagadores de promessas a S. João e a São Pedro;

Doutor – pode substituir, por vezes, o pajé. É curandeiro que vem ressuscitar o boi;

Pajé – é o curandeiro. – segue o fundamento cristão, a morte e a ressurreição do boi é uma alegoria, imitação da saga de Cristo;

Caboclos reais ou caboclos de pena – possui a mais rica indumentária do Boi. Suas fantasias são feitas de pena de ema, tingidas, revelando um colorido muito vivo e deslumbrante. São as personagens que ajudam a procurar Pai Francisco;

Índios e Índias – é predominante no sotaque próprio de Pindaré. Sua indumentária é à semelhança da do índio tradicional, usa arco e flecha. São também chamadas Tapuias – e ajudam na caça ou procurava o Boi;

Cazumba – ás vezes confundida com o Pai Francisco. Sua fantasia é muito criativa. Possui a traseira evidenciada e porta luzes coloridas nas Caretas. Sua função é liga ao misticismo, que rejuvenesce as forças espirituais da brincadeira. Os Cazumbas representam ainda os espíritos da mata, ou seja, os “maus espíritos que giravam no desaparecimento do Boi da fazenda que era o boi de estimação. Eles também ajudam na tentativa de ressuscitar o Boi;

Mutucas – são todas femininas. É a companheira, namorada, esposa, mãe, tia, avó que acompanha seus entes queridos do inicio ao final da brincadeira com a função de não deixar seu parceiro ficar sem alegria, para tanto, carrega a sua comida. Elas não devem deixar o seu parceiro dormir. São as personagens mais em evidência na dança;

D.           Maria – senhora que leva o quadro de São João;

Instrumentos – Tambor –onça; Apito, Maracá; matracas pequenas e finas dependuradas no pescoço por meio de cordéis; tambores;

Uniforme – que caracteriza tora a turma: Chapéu de Pena de Ema – característica principal do Boi  de Pindaré; as fardas bordadas e confecção de Torres das caretas dos Cazumbás; Tanga e Guarda- peito – dos boiantes e outros integrantes. São bordadas com miçanga e canutilho (luxo e brilho); o lombo do Boi – bordado à mão com miçanga e canutilho.

61 Cantador do Boi de Pindaré, responsável por expandir a nível nacional o “Sotaque de Pindaré”. Bartolomeu dos Santos, - o Coxinho, nascido em Vitória do Mearim-Ma, Cantador de Boi desde os 17 anos de idade. Integrou o Boi de Apolônio, no bairro da Floresta, em São Luís desde o ano de 1945. Em 1960 ele passou a integrar o Boi de Pindaré e deu visibilidade a seu sotaque próprio. Faleceu com 81 anos de idade, em São Luís no dia 03.04.1991 (Jornal o Imparcial, 04.04.1991).

Fonte: A festa em Pindaré-Mirim: nos trilhos da história a afirmação de uma identidade - Maria Zenaide Costa - 2008


@pindaremirimmabr


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