Colônia
“Indígena” São Pedro do Pindaré
Em 1840, uma aldeia
tenetehara foi organizada como a primeira colônia indígena do
Maranhão, ganhando o nome de São Pedro do Pindaré. Localizava-se
à margem direita do rio Pindaré, a cerca de 48 quilômetros a montante da vila
de Monção, confronte a antiga fazenda Camacaoca, considerada na década de 1820
como o último local de presença de civilizados no rio Pindaré. Seu organizador
foi o tenente-coronel Fernando Luiz Ferreira, enviado pelo
governo provisório do coronel Luiz Alves de Lima e Silva, então chefe das
tropas imperiais que combatiam a rebelião dos Balaios, cujos participantes,
negros escravos e livres e caboclos e índios do leste maranhense, ameaçavam
estender o campo de batalha para o rio Pindaré e adiante. O tenente-coronel
fora primeiro a Viana, onde dispersara um início de levante, e depois subira o
rio Pindaré para adiante da vila de Monção, onde fizera o reconhecimento da população,
e após escolher um local apropriado determinara as primeiras medidas para a
instalação da colônia indígena. Lá, certamente, devia haver aldeias tenetehara
permanentes, porém era uma região por onde também transitavam índios Timbira
autônomos. As aldeias tenetehara deviam ser pequenas e serviam de entreposto
para os Tenetehara do alto Pindaré que já começavam a descer o rio para fazer
negócio em Monção. A colônia começou com uma aldeia com “cento e tantos” índios
(Ferreira 1842). Com o apoio do governo
provincial, o tenente-coronel Ferreira efetivou a compra de duas léguas em
quadra (174 Km2) das terras de um cidadão de Monção, por dois contos
de réis, para legalizar a área da nova colônia (Marques 1970: 206). Terras caras para uma região onde não havia
civilizados. De todo modo, o modelo de duas léguas em quadra parece ter sido o
padrão que se supunha ser justo e adequado para os índios durante todo o
período em questão, pois vai se repetir nas poucas vezes em que se tentou
delimitar terras para os índios. Surpreendentemente esse padrão vai continuar
pelo século seguinte, como veremos no capítulo que discutirá a atuação da
política indigenista republicana.
No relatório que o tenente-coronel Ferreira escreveu, provavelmente ao coronel Luiz Alves de Lima e Silva, pediu a presença de um missionário para catequizar e uma escola para educar os índios. Referiu-se, e condenou, o costume local, sancionado por ato executivo da província em 1822 (Coelho 1990: 91), de particulares retirarem índios ainda crianças das aldeias para criá-los em suas casas, argumentando não ser esta a forma de ajudar uma tribo a se civilizar. Ao invés disto, propunha que alguns jovens índios fossem levados para serem educados na cidade, não especificando de que forma, e depois trazidos de volta para influenciar o restante da tribo. É de se supor que o diferencial na sua proposta devia ser o treinamento em algum tipo de ofício. A pequena descrição que Ferreira fez das “tendências culturais” dos Tenetehara demonstra uma sensibilidade e simpatia surpreendentes para um militar da época, o que indica que ele tinha contato com os intelectuais do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, como de fato veio a pertencer na década seguinte. Exprimiu ainda particular interesse pela “cooperação mútua” com que os Tenetehara conduziam suas transações econômicas. Elogiou o chefe da aldeia por ser trabalhador e servir de exemplo aos seus companheiros, lamentando a sua morte no período em que lá estivera.
São Pedro do Pindaré parece, assim, ter começado em nota alta e com bons propósitos, mas não teve o sucesso que se esperava de uma colônia indígena tenetehara. Não na visão de diversos diretores gerais dos índios e do historiador maranhense Augusto César Marques (1970: 205), os quais, desde 1850, frequentemente a descrevem como estando em “decadência.” Aparentemente a razão para essa decadência estava na diminuição dos índios e na sua pouca produção econômica. Seu primeiro diretor foi o padre Antonio Bento da Costa Curtinhas, que parece ter agregado até 200 Tenetehara, mas foi destituído em 1842 (Coelho 1990: 146). Em 1848 a Colônia contava 174 índios Tenetehara; um ano depois esse número tinha caído para 120 índios, aí somando-se cerca de 25 índios Mateiros, de 36 que haviam sido enviados pelas forças que haviam subjugado sua aldeia localizada nas ribeiras do rio Itapecuru, cuja maioria (no total eram 111) havia sido enviada a São Luís (Coelho 1990: 146-7, 192). O hábito de agregar outras etnias a essa colônia, bem como à futura Colônia Januária, continuou nos anos seguintes, especialmente membros de grupos Timbira ainda autônomos que tinham suas terras entre os rios Grajaú e Turiaçu .
Em 1850 a população da Colônia consistia de apenas 86 Tenetehara, sendo que os Timbira Mateiros haviam fugido. Em 1853 havia subido para 130. O relatório do presidente Eduardo Olímpio Machado, em novembro de 1853, demonstra confiança no trabalho do diretor da colônia e uma certa esperança de que a colônia estivesse progredindo. Além de coletar óleo de copaíba e serrar tábuas, os índios tinham quatro grandes roças que serviam para seu auto-sustento e onde também plantavam café. Em 1861 foram contados 76 índios; em 1870 a população caíra para 44; e em 1881 havia somente 24 índios na colônia. De fato, os relatórios indicam que muitos índios morriam e outros iam sendo cooptados a viver como caboclos. É certo também que diversas famílias Tenetehara e Timbira se retiraram da colônia, fosse com o intuito de voltar a viver em suas aldeias, fosse para ficar em contato com a sociedade regional sem a supervisão oficial. A proximidade dessa colônia com a vila de Monção, que passou a crescer na década de 1860, favorecia a entrada de regatões e madeireiros, alguns dos quais entravam em conflito com os diretores, tornando-se necessária a intervenção do diretor geral (Coelho 1990: 151).
A Colônia São Pedro do Pindaré teve ao longo de seus 40 anos de existência diversos diretores, alguns religiosos, os demais fazendeiros e comerciantes de Monção. Talvez o que mais tempo tenha passado em sua direção tenha sido o missionário capuchinho Frei Peregrino de Pezzaro, que lá esteve entre os anos de 1870 e 1876, quando a fama de decadência já era corriqueira nos escritos dos presidentes de província a respeito da colônia. Frei Peregrino viera da Itália e ficou por alguns anos responsável também pela Colônia Januária. Em 1873, ele provocou a antipatia de alguns cidadãos de Monção que dele deram parte ao diretor geral dos índios e conseguiram publicar um artigo de acusações no jornal “O País”, em 1/5/1873. O diretor geral considerou infundadas tais acusações .
O relatório do diretor geral de 22 de dezembro de 1882 já não menciona a Colônia São Pedro do Pindaré. Ela fora extinta de vez no começo do ano anterior, quando devia ainda haver talvez umas seis ou sete famílias de índios. Foi uma extinção por decreto. Os índios foram considerados “dispersos entre a população civilizada” e, conforme a Decisão nº 172 de 1850, suas terras foram passadas para o domínio público. Logo em seguida, essas terras foram transferidas para a Companhia Progresso Agrícola, uma empresa de capital aberto criada em São Luís para estabelecer um engenho central de fabricação de açúcar na região, contando com a expectativa de expansão do cultivo de grandes fazendas de cana-de-açúcar. Com efeito, já no início da década de 1860, havia no município de Monção uma substancial lavoura de cana-de-açúcar a qual era processada pelo braço de 1.070 escravos em cerca de 21 engenhos. A população do Pindaré, naquela década, chegava a 6.400 pessoas, das quais 4.200 eram escravos, sem contar os índios (Mattos, 1862: 74). O engenho central, um enorme edifício de alvenaria com uma grande chaminé, foi construído à beira do rio Pindaré, onde antes ficava a sede da Colônia. Com muito esforço e grandes dificuldades, inclusive de falta de capital, nos anos seguintes foi construída uma estrada de ferro com quatorze quilômetros de extensão ligando o engenho a um porto de escoamento na baía de São Marcos, augurando o desenvolvimento da região. Porém, todo esse investimento foi em vão. Pelo começo do século a estrada não mais funcionava, o cultivo de cana nunca alcançara níveis razoáveis de produtividade e o vale do Pindaré caiu na estagnação pelos anos afora (Lopes 1970: 135).
No relatório que o tenente-coronel Ferreira escreveu, provavelmente ao coronel Luiz Alves de Lima e Silva, pediu a presença de um missionário para catequizar e uma escola para educar os índios. Referiu-se, e condenou, o costume local, sancionado por ato executivo da província em 1822 (Coelho 1990: 91), de particulares retirarem índios ainda crianças das aldeias para criá-los em suas casas, argumentando não ser esta a forma de ajudar uma tribo a se civilizar. Ao invés disto, propunha que alguns jovens índios fossem levados para serem educados na cidade, não especificando de que forma, e depois trazidos de volta para influenciar o restante da tribo. É de se supor que o diferencial na sua proposta devia ser o treinamento em algum tipo de ofício. A pequena descrição que Ferreira fez das “tendências culturais” dos Tenetehara demonstra uma sensibilidade e simpatia surpreendentes para um militar da época, o que indica que ele tinha contato com os intelectuais do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, como de fato veio a pertencer na década seguinte. Exprimiu ainda particular interesse pela “cooperação mútua” com que os Tenetehara conduziam suas transações econômicas. Elogiou o chefe da aldeia por ser trabalhador e servir de exemplo aos seus companheiros, lamentando a sua morte no período em que lá estivera.
São Pedro do Pindaré parece, assim, ter começado em nota alta e com bons propósitos, mas não teve o sucesso que se esperava de uma colônia indígena tenetehara. Não na visão de diversos diretores gerais dos índios e do historiador maranhense Augusto César Marques (1970: 205), os quais, desde 1850, frequentemente a descrevem como estando em “decadência.” Aparentemente a razão para essa decadência estava na diminuição dos índios e na sua pouca produção econômica. Seu primeiro diretor foi o padre Antonio Bento da Costa Curtinhas, que parece ter agregado até 200 Tenetehara, mas foi destituído em 1842 (Coelho 1990: 146). Em 1848 a Colônia contava 174 índios Tenetehara; um ano depois esse número tinha caído para 120 índios, aí somando-se cerca de 25 índios Mateiros, de 36 que haviam sido enviados pelas forças que haviam subjugado sua aldeia localizada nas ribeiras do rio Itapecuru, cuja maioria (no total eram 111) havia sido enviada a São Luís (Coelho 1990: 146-7, 192). O hábito de agregar outras etnias a essa colônia, bem como à futura Colônia Januária, continuou nos anos seguintes, especialmente membros de grupos Timbira ainda autônomos que tinham suas terras entre os rios Grajaú e Turiaçu .
Em 1850 a população da Colônia consistia de apenas 86 Tenetehara, sendo que os Timbira Mateiros haviam fugido. Em 1853 havia subido para 130. O relatório do presidente Eduardo Olímpio Machado, em novembro de 1853, demonstra confiança no trabalho do diretor da colônia e uma certa esperança de que a colônia estivesse progredindo. Além de coletar óleo de copaíba e serrar tábuas, os índios tinham quatro grandes roças que serviam para seu auto-sustento e onde também plantavam café. Em 1861 foram contados 76 índios; em 1870 a população caíra para 44; e em 1881 havia somente 24 índios na colônia. De fato, os relatórios indicam que muitos índios morriam e outros iam sendo cooptados a viver como caboclos. É certo também que diversas famílias Tenetehara e Timbira se retiraram da colônia, fosse com o intuito de voltar a viver em suas aldeias, fosse para ficar em contato com a sociedade regional sem a supervisão oficial. A proximidade dessa colônia com a vila de Monção, que passou a crescer na década de 1860, favorecia a entrada de regatões e madeireiros, alguns dos quais entravam em conflito com os diretores, tornando-se necessária a intervenção do diretor geral (Coelho 1990: 151).
A Colônia São Pedro do Pindaré teve ao longo de seus 40 anos de existência diversos diretores, alguns religiosos, os demais fazendeiros e comerciantes de Monção. Talvez o que mais tempo tenha passado em sua direção tenha sido o missionário capuchinho Frei Peregrino de Pezzaro, que lá esteve entre os anos de 1870 e 1876, quando a fama de decadência já era corriqueira nos escritos dos presidentes de província a respeito da colônia. Frei Peregrino viera da Itália e ficou por alguns anos responsável também pela Colônia Januária. Em 1873, ele provocou a antipatia de alguns cidadãos de Monção que dele deram parte ao diretor geral dos índios e conseguiram publicar um artigo de acusações no jornal “O País”, em 1/5/1873. O diretor geral considerou infundadas tais acusações .
O relatório do diretor geral de 22 de dezembro de 1882 já não menciona a Colônia São Pedro do Pindaré. Ela fora extinta de vez no começo do ano anterior, quando devia ainda haver talvez umas seis ou sete famílias de índios. Foi uma extinção por decreto. Os índios foram considerados “dispersos entre a população civilizada” e, conforme a Decisão nº 172 de 1850, suas terras foram passadas para o domínio público. Logo em seguida, essas terras foram transferidas para a Companhia Progresso Agrícola, uma empresa de capital aberto criada em São Luís para estabelecer um engenho central de fabricação de açúcar na região, contando com a expectativa de expansão do cultivo de grandes fazendas de cana-de-açúcar. Com efeito, já no início da década de 1860, havia no município de Monção uma substancial lavoura de cana-de-açúcar a qual era processada pelo braço de 1.070 escravos em cerca de 21 engenhos. A população do Pindaré, naquela década, chegava a 6.400 pessoas, das quais 4.200 eram escravos, sem contar os índios (Mattos, 1862: 74). O engenho central, um enorme edifício de alvenaria com uma grande chaminé, foi construído à beira do rio Pindaré, onde antes ficava a sede da Colônia. Com muito esforço e grandes dificuldades, inclusive de falta de capital, nos anos seguintes foi construída uma estrada de ferro com quatorze quilômetros de extensão ligando o engenho a um porto de escoamento na baía de São Marcos, augurando o desenvolvimento da região. Porém, todo esse investimento foi em vão. Pelo começo do século a estrada não mais funcionava, o cultivo de cana nunca alcançara níveis razoáveis de produtividade e o vale do Pindaré caiu na estagnação pelos anos afora (Lopes 1970: 135).
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